segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Território Kaiowá Guarani

Por Egon Heck*
Quando Getúlio Vargas, em plena segunda guerra mundial, promovia a ocupação das fronteiras e o combate ao latifúndio através da implantação da Colônia  Agrícola de Dourados, não imaginava que pouco mais de meio século depois outro presidente estaria acelerando o processo de expansão e desenvolvimento do modelo concentrador capitalista na região. Pouco resta, ou quase nada, daquele plano original.
As centenas de pequenas propriedades de até 30 hectares se transformaram em médias e grandes propriedades de pastagens, plantações de cana ou de soja. Uma das regiões de terra mais fértil e prosperidade econômica do país é também a região que mais violência manifesta contra os filhos originários dessa terra, os Kaiowá Guarani. Conforme os relatórios de violência do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), nos últimos cinco anos, foram mais de 200 assassinatos e mais de 150 suicídios; mais de 100 crianças morreram de desnutrição; cerca de 200 índios presos e mais de 90% das famílias vivendo da cesta básica e outros benefícios do governo. Isso dá uma pequena dimensão da dramática situação a que está submetido esse povo. Antropólogos e outros cientistas têm qualificado semelhante situação como de etnocídio e genocídio.
E os Índios, onde ficaram? Sem terra. À beira da estrada. Em confinamentos. As grandes vítimas de tal tipo de desenvolvimento envolto em ideologia discriminatória e racista, concentradora e excludente, foram os índios Kaiowá Guarani. Nos quarenta anos seguintes ao início da ocupação massiva de seus territórios (1943 a 1983), os Kaiowá Guarani praticamente foram sendo expulsos e tangidos para os oito pequenos confinamentos demarcados pelo SPI no início do século 20. Hoje, quatro desses confinamentos, de pouco mais de 8 mil hectares, abrigam quase 30 mil Kaiowá Guarani e Terena ( Dourados, Caarapó, Porto Lindo e Amambaí).
Quando, a partir da década de 80, os índios começaram o movimento de retorno a seus tekohá (terras tradicionais), sofreram toda sorte de violências por parte de pistoleiros e milícias armadas contratadas pelos fazendeiros, além de despejos feitos pela polícia. O primeiro grande mártir e herói da resistência e retomada foi Marçal de Souza, assassinado em novembro de 1983, depois da primeira retomada – Pirakuá. Hoje, os Kaiowá Guarani lutam heroicamente para ter o mínimo de seu espaço tradicional e continuar seus projetos de vida, conforme sua cultura e valores. Para isso, o primeiro e indispensável passo é o reconhecimento de suas terras. O povo já tem conseguido conquistas importantes, especialmente na área da educação, com o reconhecimento de sua cultura, especialmente a língua, que é falada em todas as comunidades e já tem sido reconhecida como língua cooficial no município de Tacuru, estando em processo de reconhecimento em outros municípios. Tem mais de duas centenas de alunos nas universidades e um curso especial de graduação na Universidade Federal da Grande Dourados.
Lula irá inaugurar oficialmente a Universidade Federal da Grande Dourados, que completa cinco anos de funcionamento, e na qual foram investidos mais de 80 milhões de reais, conforme noticia a imprensa local. Várias construções estão em andamento e outras apenas previstas, como é o caso do Centro de Estudos Indígenas.
Onde o Brasil foi Paraguai, onde o Brasil foi Guarani, onde o Brasil foi Território Federal de Ponta Porã, onde o Brasil foi Mata Atlântica, Lula estará inaugurando obras do PAC, que vai acelerado, enquanto o TAC (Termo de Ajustamento de Conduta, para identificação das terras indígenas) está parado. Na terra do gado, da soja e da cana, Lula ouvirá certamente elogios do agronegócio e o grito de socorro dos povos indígenas. O presidente certamente se lembrará da visita que fez aos Kaiowá Guarani, quando candidato a presidente, e das promessas de resolver o problema da terra Guarani ainda em seu primeiro mandato. Certamente sua consciência exigirá que resolva questão tão grave nos poucos meses de governo que lhe restam.
Os Kaiowá Guarani têm seis minutos para expor sua dramática situação e apelos ao presidente Lula, que receberá também inúmeros documentos (koatiá) pedindo socorro, providências urgentes e especialmente a demarcação das suas terras. Será um momento histórico também para os povos indígenas da região que exigirão terra e justiça e que recentemente receberam a solidariedade dos demais povos indígenas do Brasil nessa luta pelos seus direitos, no Acampamento Terra Livre, realizado em Campo Grande.
Movimento Povo Guarani, Grande Povo,
*Egon Heck é coordenador do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) no Mato Grosso do Sul. (Envolverde/Correio da Cidadania)


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