sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Pessoas que machucam sem bater


Colaboração de Denise Sartori

É fácil deixar uma pessoa emocionalmente em frangalhos. É só mirar no peito e atirar com palavras.

Um dos maiores dramas femininos é a violência dentro de casa.

Milhares de mulheres apanham do marido e do namorado.

Não importa se são pobres ou ricas, analfabetas ou cultas: apanham uma, duas, três vezes e, em vez de fazerem a malinha e darem um novo rumo às suas vidas, mantêm-se onde estão, roxas e orgulhosas.

A maioria suporta a situação porque não tem como se sustentar, não tem para onde levar os filhos, elas estão nesse mundo sem pai nem mãe.

Mas há outro motivo curioso: muitas mulheres encaram a surra como um contato íntimo.

Na falta de um beijo, aceita-se um tapa.

Dói, mas ninguém pode dizer que não existe uma relação a dois.

É uma maneira masoquista de se fazer notar, de não se sentir ignorada pelo companheiro.

Apanho, logo existo.

Que é medieval, nem se discute.

Mas a humanidade convive há séculos com essas armadilhas, com essas cenas em que cada um interpreta como lhe convém. Podemos nos apiedar de quem sofre maus tratos em nome desse amor fora dos padrões, mas a verdade é que apanhamos todas, todos. Diga aí quem nunca machucou, quem nunca foi machucado, mesmo sem trazer marcas visíveis.

Algumas pessoas são experts em não deixar cicatrizar velhas feridas, em fazer dor no ponto frágil. Insinuações doem, acusações injustas doem, desapego dói, indiferença, então. É justamente dentro das relações mais íntimas que se obtêm as melhores armas.

A vulnerabilidade é terreno fértil para surras psicológicas.

Sabemos como reage nosso cônjuge, o que costuma ferir nosso irmão, onde nossos amigos fraquejam.

Basta uma frase, uma ironia, e o abatemos.

Deixar uma pessoa emocionalmente em frangalhos não é passível de condenação. Não é crime, não deixa marcas de sangue no tapete. Mira-se no peito, atira-se com palavras, e os estilhaços caem para dentro. A violência física não tem essa premeditação. Ela caracteriza-se pela falta absoluta de controle.

No momento em que se agride alguém com socos e pontapés, atravessa-se a fronteira do racional: vigora a degradação, a selvageria, o fim da civilidade. Por isso, preferimos a agressão verbal, que, apesar de também machucar, ao menos mantém a ordem.

O ideal, no entanto, seria escaparmos ilesos de qualquer brutalidade e convivermos apenas com abraços, sorrisos e palavras gentis, coisa que acontece apenas entre quem mal se conhece.

A ternura full time só é comum entre pessoas cujas vidas não se misturam, não trazem conseqüências uma para a outra. Já a intimidade permite que a mágoa brote, transformando rancor em munição.

Mike Tyson ao menos ganhava bem para bater e levar. Fora do ringue, todo mundo perde.

Martha Medeiros

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