quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

República da Censura


O novo nome do Brasil é República da Censura. E quando se trata de censura, voltemos ao mundo romano, onde ela nasceu. Os senadores, ali, eram vistos como gente séria, marcada pela “gravitas”: sua palavra tinha peso, jamais era leviana. Cicero diz que o Senado era o templo da santidade e do saber (templum sanctitatis, amplitudinis, mentis, consiliique publici Romani), porque ele reunia a nobreza e o sacerdócio. Tácito o chama “seminarium omnium dignitatum”. Aquela assembléia tinha como prerrogativa cuidar dos bons costumes, no Estado e na sociedade.

Foi para tal fim criado o cargo de censor, que ordenava o censo (census) nome originário de “censere”, apreciar ou arbitrar. Ele classificava os cidadãos segundo fortuna e idade, organizando a cidade de acordo com as finanças, a política e a vida militar. Aquele magistrado era investido da “censoria potesta s”, o que lhe facultava julgar as roupas, os gestos, as palavras de todos e, assim, os costumes (regimen morum). Last but not least, ele analisava o uso dos cofres públicos. (cf. Ch. Daremberg e Edm. Saglio: Le Dictionnaire des Antiquités Grecques et Romaines, Paris, Hachette, 1919, verbete “Censor”).

A censura aliviava a tarefa dos consules, que administravam em sintonia com o Senado. Como a ela caberia examinar os costumes de todos, muitos senadores indignos foram cassados. Quando injustiças eram causadas, o juízo do povo assumia caráter definitivo, restabelecendo direitos extraídos com base na calúnia, inveja, etc. Os censores vigiavam os poderosos, recebendo um mandato expresso do povo. Diz a Enciclopédia de Denis Diderot: “este uso de censurar os costumes parece fundado numa antiga máxima da política romana, que exigia um senado sem mancha alguma, e que os membros daquele corpo dessem exemplo de bons costumes para todas as demais ordens do Estado”.

Quantum mutatus ab illo! Mudam os tempos, as vontades, os costumes. O Senado, na história, perdeu substância e sentido, tornando-se valhacouto das criaturas a serviço do Cesar, príncipe ditatorial que comprava a república, sobretudo a dignidade dos políticos (Luciano Canfora: “Júlio Cesar, o ditador democrático”). Os vários Senados da era moderna serviram apenas para garantir os poderosos, sem vantagem alguma para os costumes públicos.

O Senado brasileiro, salvo as exceções, desde o Império sacramenta as ordens do Executivo, ou usa a pior chantagem contra presidentes da república. Esta dupla função fez dele, nos últimos dias, o berço de insuportáveis escândalos oligárquicos. Aquela Casa pressiona juízes e governos em sentido inverso ao da censura romana: em vez de arrancar os desonestos da ordem estatal, os nossos censores, alguns infelizmente usando a toga, tentam calar as denúncias contra os corruptos, na imprensa e na internet.

Depois da cala-a-boca aplicado ao jornal O Estado de São Paulo, alguns blogues foram silenciados no Brasil. Deles, o mais importante é o Prosa & Política, de Adriana Vandoni, proibida de emitir opiniões, o que é garantido na Constituição. Cito Alvaro Dias, em discurso na tribuna: “A censura à imprensa é abominável e faz escola porque da censura ao jornal O Estado de S. Paulo decorreu a censura, por exemplo, do blog da economista Adriana Vandoni, do Mato Grosso, imposta por um juiz local. A outra consequência foi a censura a um blog do jornalista Fábio Pannunzio, imposta por um juiz do Paraná (…). Portanto, fazem escola os censores da modernidade. Os censores, lamentavelmente, estão presentes no momento em que gostaríamos de ver a censura sepultada definitivamente. Não imaginávamos que ela pudesse retornar como retorna nos dias de hoje. A liberdade de imprensa é essencial para a garantia das demais liberdades; se a l iberdade da imprensa está comprometida, as demais falecem. E, obviamente, se não nos arvorarmos em defensores da liberdade de imprensa estaremos perdendo o direito de exigir liberdade para as nossas ações.”(16/12/2009). Escandaliza notar que, entre os críticos da censura ditatorial, a maioria hoje se cala, por medo ou conivência. Minha plena solidariedade a Adriana Vandoni. Bom Natal para todos.

(*) Roberto Romano da Silva é Professor titular de Filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), professor de Ética, também pela Unicamp. Doutor em Filosofia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris e membro do Instituto de Filosofia e de Ciências Humanas da Unicamp, é autor dos livros “Brasil, Igreja contra Estado”, de 1979, “Copo e Cristal, Marx Romântico”, de 1985, e “Conservadorismo Romântico”, de 1997. Os artigos do Professor Roberto Romano da Silva também são publicados semanalmente no Correio Popular, de Campinas. http://www.cpopular.com.br/.

Capturado do blog da Adriana Vandoni em 28/12/2009:
http://www.prosaepolitica.com.br/2009/12/23/leia-o-artigo-que-o-prof-roberto-romano-escreveu-pra-mim-vou-ficar-insuportavel-de-tanto-orgulho/

Ouça no link abaixo uma entrevista do professor Roberto Romano da Silva:
http://www.youtube.com/watch?v=HJkZ8fLOVoY

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