quarta-feira, 1 de julho de 2009

Impermanência e Consciência


Impermanência e Consciência "Morte na Primeira Pessoa"
"Sou aluna de enfermagem. Estou morrendo. Escrevo para vocês, que são ou serão enfermeiras, na esperança de que o ato de compartilhar meus sentimentos, faça com que algum dia sejam mais capazes de ajudar àqueles que partilham da minha experiência.
No momento, não estou internada. Estou fora talvez por um mês, por seis meses, talvez por um ano. Mas ninguém gosta de falar dessas coisas. Na verdade, ninguém gosta de falar muito sobre coisa alguma. A enfermagem deve estar evoluindo, mas eu gostaria que se apressasse. Ensinam-nos, atualmente, a não exagerar na alegria, a omitir a rotina do "está tudo bem", e temos cumprido bem a nossa tarefa. Mas acabamos ficando num vazio silencioso e solitário. Uma vez retirada a rotina do "está tudo bem", à equipe só resta a sua própria vulnerabilidade e seu próprio medo. O paciente que está morrendo ainda não é visto como pessoa e, assim sendo, não se pode comunicar com ele como tal. Ele é o símbolo do que cada ser humano teme e do que cada um de nós sabe, pelo menos academicamente, que terá que enfrentar algum dia. O que é que diziam na enfermagem psiquiátrica do confronto da patologia com a patologia em detrimento tanto do paciente como do enfermeiro? E também se falava muito sobre o fato de que antes de poder ajudar a alguém em relação a seus sentimentos, era necessário conhecer os próprios. Quão verdadeiro é esse ensinamento.
Mas, no meu caso, o medo é hoje e morrer é agora. Vocês entram e saem rapidinho do meu quarto, me dão os remédios e tiram a minha pressão. Será que é por eu mesma ser estudante de enfermagem, ou, simplesmente, porque sou um ser humano que percebo o seu temor? Mas seus medos aumentam o meu. Por que vocês estão com medo? Sou eu que estou morrendo!
Eu sei que vocês se sentem inseguros, não sabem o que dizer, não sabem o que fazer. Mas, por favor, creiam em mim, se têm afeto, não há erro possível. Apenas assumam o afeto. É isso que buscamos. Pode ser que perguntemos sobre os porquês e os quandos, mas na realidade não esperamos respostas. Não fujam - esperem - só quero saber se haverá alguém segurando a minha mão quando eu precisar. Tenho medo. Talvez a morte se transforme em rotina para vocês, mas ela é nova para mim. Talvez para vocês eu não seja especial, mas eu nunca morri antes. Para mim uma vez é muito especial!
Vocês sussurram sobre a minha juventude, mas quando alguém está morrendo será que ainda é tão jovem? Tenho muitas coisas sobre as quais gostaria de conversar. Mas isso não tomaria muito mais do seu tempo, porque,afinal, vocês já passam um tempão aqui dentro.
Se pelo menos pudéssemos ser francos, de ambos os lados assumir nossos medos, tocar-nos uns aos outros. Se realmente se preocupam, será que perderiam tanto do seu profissionalismo se chorassem comigo? Apenas de pessoa para pessoa? Se assim fosse, não seria tão difícil morrer - num hospital - tendo amigos do lado."
(carta anônima datada de fevereiro de 1970 no livro Death: The Final Stage of Growth de Elizabeth Kübler-Ross)
Na carta da jovem enfermeira, prestes a morrer, há um depoimento tocante de alguém que, ao defrontar-se com essa experiência crucial, levanta um questionamento tão importante quanto inquietante sobre como os profissionais que estão em contato direto com os processos do adoecimento e do morrer mostram-se despreparados para lidar com os sentimentos e emoções evocados, não só nos que estão vivendo essa experiência, como em si próprios.
Podemos nos indagar se a sujeição à rotina a que ela se refere, a infantilização do paciente, que o priva dos sinais e símbolos de sua condição autônoma de adulta, não se destinam à conveniência e conforto moral da equipe, mantendo-os numa preservada redoma onde o desespero, o pânico, a revolta e a dor são excluídas da percepção e conseqüentementei gnorados.
Ainda como herança da tradição cartesiana, temos um modelobio-médico que opera com a crença básica de que as pessoas doentes são como máquinas avariadas: em caso de mau funcionamento de suas partes constituintes, devem ser consertadas - por um mecânico, certamente! Naturalmente, espera-se da máquina que ela fique totalmente passiva, enquanto o mecânico faz o trabalho, e que não apresente reações indesejáveis. Obviamente estamos, talvez, incorrendo numa simplificação e, talvez mesmo, numa injustiça com relação aos treinamentos dos profissionais da área de saúde, mas é muito freqüente encontrarmos profissionais que parecem perfeitamente aptos a tratarem de doenças, mas não com doentes que são pessoas singulares, únicas e que podem ser reduzidas a categorias e quadros clínicos.
Diferentemente de nossos modelos de assistência terapêutica, temos informações de procedimentos de outras culturas em que xamãs, "healers", curandeiros, médicos levavam em consideração o meio ambiente social/espiritual do doente bem como suas necessidades emocionais, em que corpo e alma não estão dissociadas e que a forma de dar suporte, conforto e interferências que facilitem a cura não se resumem a intervenções cirúrgicas/químicas/fisiológicas.
Além dos pressupostos cartesianos que norteiam nossa percepção do ser humano, temos ainda, de quebra, uma orientação narcisista que determina que vivamos voltados para a criação de uma auto-imagem em que status econômico, perfil de uma personalidade bem sucedida socialmente, beleza e tentativa de prorrogar a juventude indefinidamente são imperativo a que dificilmente nos esquivamos... Envelhecer, morrer... ah!, pecado narcísico que derrota nossa onipotência e nossa tentativa de impor à natureza nossas aspirações de poder e imortalidade!
Mas as leis que regem nossa realidade física são inexoráveis. Todos os elementos que um dia se agregam para compor a forma um dia, nunca se sabe quando, se desagregam. É a entropia, a tendência universal para o rompimento da ordem coexistindo com a sintropia, a criação.
Nossa insegurança básica faz com que evitemos, neguemos a finitudede nossa existência física e, assim, nos furtemos a preparar-nos tanto emocionalmente quanto espiritualmente para a mais certa entre todas as incertezas que permeiam a nossa existência.
Na ilusão de um "eu" isolado nos envoltórios da experiência física, confinados nas dimensões do tempo e espaço, não nos damos conta de que nossa consciência não tem os mesmos limites. Deepak Chopra, falando da experiência de se perceber como um ser que se experimenta além das dimensões físicas, na não-física, dá-nos um depoimento que, talvez, nos auxilie a re-significar nossa percepção de nós mesmos. "Meu espírito experimenta o mundo material através das lentes da percepção, mas mesmo que nada consiga ver e ouvir, ainda assim sou eu, uma eterna presença de consciência. Em termos práticos, esta realização torna-se genuína quando nenhum evento externo pode abalar o sentido do self. Uma pessoa que se conhece como espírito nunca perde a visão de experimentador no meio da experiência. Sua verdade interior afirma 'carrego comigo a consciência da imortalidade em meio mortalidade".
Quando essa mudança de paradigma, essa re-significação do sentido de ser permear nossa visão científica/filosófica/social do indivíduo - mudança essa que já está seguramente em curso - certamente criaremos práticas mais compassivas, mais confortadoras para assistir, acompanhar, cuidar de todos nós que estivermos vivendo nossos ritos de passagem, nossos trânsitos no continuum vida/morte.
Não nos esqueçamos do que diz a jovem enfermeira: antes de poder ajudar alguém em relação aos seus sentimentos, é necessário conhecer os próprios..."
Referências Bibliográficas
1 - REICH, W. - "A função do Orgasmo" - Editora Brasiliense, 11a edição, São Paulo, 1985.
2 - NAVARRO, F. - "Somatopsicodinâmica das Biopatias" - EditoraRelume Dumará, 1a edição, Rio de Janeiro, 1991.
3 - BOADELLA, D. - "Correntes da Vida - Uma introdução à Biossíntese"Summus Editorial, São Paulo, 1992.
4 - SONTAG, S. - "A Doença como Metáfora" - Edições Graal, Rio de Janeiro, 1984.
5 - LEVINE, S. - "Healing into Life and Death" - Doubleday, New York, 1987.
6 - KUBLER-ROSS, E. - "Friends of Shanti Nilaya" (magazine) - Londres, 1990.
Resumo do currículo dos autores:
Humbertho Oliveira - Médico, Psicoterapeuta Somático, Fundador e Coordenador do Grupo Quiron - Centro de Estudos e Práticas Transomáticas, Psicoterapeuta da Associação de Apoio à Criança com Câncer.
Mauricio Tatar - Médico, com formação em Medicina Chinesa e Homeopatia, participação em cursos, palestras e grupos de estudo em Terapia Floral, Cromoterapia, Fitoterapia, Dietoterapia e Oligoelementos. Ministra cursos desde 1989 sobre estes temas.
Susana Hertelendy - Psicóloga formada pela Columbia University, New York, EUA em 1975; Revalidação pela UFRJ, Rio de Janeiro, 1980; Psicoterapeuta Somática; Guest Trainer internacional do grupo Transformational Energetics, New York, EUA; Fundadora e Membro do Quiron-Centro de Estudos e Práticas Transomáticas, RJ.
Vania Didier - Psicóloga, Psicoterapeuta Somática, Fundadora e Coordenadora do Grupo Quiron - Centro de Estudos e Práticas Transomáticas.
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