sábado, 11 de julho de 2009

Adeus - IV



TRANSFORMANDO PERDA EM SAUDADE
Ausência
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
Que rio e danço e invento exclamações alegres,
Porque ausência, essa ausência assimilada,
Ninguém a rouba mais de mim.
Carlos Drummond de Andrade
Humanos que somos fugimos das perdas porque elas nos apontam a finitude, o nunca mais. O homem desenvolve várias maneiras de suavizar as despedidas, das mais simples nem nos damos conta, não fomos criados para perder.
O paciente com câncer se vê obrigado a descobrir na sua humanidade a melhor forma de lidar com as perdas que bombardeiam sua vida de uma maneira inevitável. Elas surgem no aspecto físico, emocional, social. Não há como fugir nem fingir. As situações cotidianas se apresentam desorganizadas e precisam ser organizadas. O cliente traz todo o tempo a sensação da falta, do buraco deixado por alguma coisa que ali existia e que lhe era familiar. O desejo de acabar rapidamente com a dor e a necessidade de prosseguir são os pedidos mais emergentes. É aí que a psicoterapia encontra o seu lugar como espaço facilitador do reconhecimento da dor que se apresenta, colaborando para a elaboração das perdas enquanto processo de vida. Acolher o paciente do jeito que ele pode estar e qualificar seus sentimentos, certamente, contribui para o estabelecimento de uma relação sem críticas e sem conselhos; uma relação autêntica onde nenhum comportamento é esperado; permeada pela confiança na capacidade que o outro, que está diante de mim, tem de transformar e alcançar sua melhor ressignificação. Ribeiro (1998.p.82) afirma que: ”ninguém faz psicoterapia sem aprender mais sobre si e sobre o ser humano em geral; como ninguém estuda com afinco qualquer conceituação básica sobre o ser humano sem se abalar, sem se modificar de alguma forma.”
A crença na capacidade de transformar do ser humano, criando condições capazes de sustentar suas experiências de vida, aproximam cliente e terapeuta e levam ao reconhecimento das etapas desse processo de transformação criativa. O espaço psicoterápico é: lugar de redimensionamento do possível do cliente, do aproveitamento do que ele pode ter como sua melhor escolha, do trabalhar com o tempo imediato, do poder fazer uma conexão efetiva com o seu tempo interno para que ele possa se ver onde antes havia um objeto distanciado. Assim, neste Agora vivencial ele se reconhece. No buraco vazio da falta é possível encontrar alternativas, a perda é capaz de se ressignificar em saudade, pelo assumir daquilo que foi vivido e que a “mim” se incorpora. A insegurança do lidar com o novo se transforma em auto-confiança, ao descobrir que só ” eu” sou capaz de fazer o meu caminho e a rejeição se torna auto estima, pela possibilidade de confirmação do que está sendo sentido.
Enquanto gestalt-terapeuta, me sensibilizo em poder me sentir acompanhante de um processo que se dá diante dos meus olhos e que se torna suporte para escolhas satisfatórias às necessidades apresentadas. Enquanto ser humano, me engrandeço com a possibilidade de caminhar em direção à liberdade do transformar, à espontaneidade do sentir, aceitando limites e limitações, deixando que o finito se aproxime, que a presença se torne ausência e que a ausência se faça saudade.
Aos pacientes, que juntos já caminhamos, e aos que continuam nessa empreitada, o meu mais profundo reconhecimento por terem contribuído com o material dessa reflexão e o meu maior respeito pela possibilidade de transformação com eles vivida.
Aos que se foram a minha saudade e gratidão.
Mas a minha tristeza é sossego.
Porque é natural e justa.
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.
Fernando Pessoa
In Guardador de Rebanhos
Autora:
Magda Campos Dudenhoeffer
Psicóloga – Gestalt-terapeuta
Rua Visconde de Caravelas,91 - Botafogo - Rio de Janeiro - RJ – CEP 22271-030

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