sábado, 9 de maio de 2009

A invenção da mulher


por Marcus do Rio Teixeira
A feminilidade tem um quê de enigmático; por não poder ser totalmente contida na significação fálica que or, ganiza a sexualidade masculina, se constrói à custa de reivindicação e artifícios imaginários, recursos que redundam em uma lógica muito peculiar em termos de desejo e gozo.
A sexualidade humana constantemente é explicada com base no mecanismo hormonal e em modelos animais. Desse ponto de vista, as coisas são essencialmente simples – homens e mulheres seguiriam condutas que visariam a reprodução da espécie, comparáveis às dos outros animais sexuados. Cotidianamente, porém, a realidade desmente tal hipótese.
Mamíferos, aves e peixes apresentam comportamento invariável durante o período do acasalamento, que consiste na emissão de determinados sinais – visuais, sonoros, olfativos – facilmente reconhecidos pelo indivíduo do sexo oposto. Na natureza, portanto, não existe possibilidade de mal-entendido; os únicos problemas que os casais enfrentam são de ordem material, como densidade demográfica da espécie em sua região. No reino animal não há sofrimento psíquico causado pelo relacionamento sexual. Não se ouve falar de peixes apaixonados, elefantes em crise de meia-idade ou leoas querendo discutir a relação.
Em contrapartida, na espécie humana, não há uma conduta unívoca para a aproximação sexual; além disso, os sinais emitidos por cada um são ambíguos tanto para seu parceiro como para si. A própria linguagem, que supostamente serve para a comunicação, é a principal fonte desse mal-entendido. Quem nunca teve a sensação de que o(a) parceiro(a) não compreende nada do que lhe é dito? Permeada de linguagem, nossa sexualidade perde as certezas e o objetivo natural da reprodução da espécie. Longe do Éden sexual imaginado nostalgicamente por nossos cientistas, ela é marcada pelas incertezas e pelos conflitos inerentes ao humano. “De todos os animais o falasser [o ser falante] é o único que possui uma sexualidade infeliz. Não somente complicada, mas infeliz”, comenta o psicanalista francês Charles Melman.
Marcus do Rio Teixeira é psicanalista, editor, membro do Campo Psicanalítico (Salvador-BA) e autor, entre outros livros, de Vicissitudes do Objeto (2005) e A feminilidade na psicanálise e outros ensaios (1991), ambos pela editora Ágalma.

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