sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Crítica à Razão Utilitária

Por Thomaz H. Junqueira de A. Pereira

O utilitarismo
A importância de uma analise crítica do utilitarismo se funda em o pensamento por trás da filosofia ética até hoje se encontrar profundamente marcado pela teoria utilitarista, seja por aqueles que a defendem (mesmo que a atualizando), seja por aqueles que se filiam a diferentes teorias (encontrando no utilitarismo um adversário natural).
O utilitarismo é uma teoria teleológica, o que significa estar voltada aos objetivos a serem alcançados, os quais se materializam na idéia de maximização dos benefícios. Nesse sentido, o utilitarismo clássico se baseia no princípio da utilidade, o qual determina que uma ação é aprovada na medida em que a tendência que esta tem de aumentar a felicidade for maior que qualquer tendência a diminuí-la. Tal princípio, segundo Bentham, não poderia ser demonstrado uma vez que o princípio que se utiliza para demonstrar todas as outras coisas não pode ser ele mesmo demonstrado.
O utilitarismo contemporâneo, não se difere muito do modelo clássico uma vez que, se sua maior diferença residiria em objetivar favorecer todos os afetados, levando em conta igualmente todos os interesses, e não apenas diminuir a dor e aumentar o prazer; dependendo do que entendamos por prazer e dor, que podem ser lidos em um sentido mais amplo, a diferença se reduziria a nenhuma. Assim, o utilitarismo contemporâneo ao se referir a interesses, na verdade não iria alem das idéias de prazer e dor que seriam os sentimentos que os pautariam.
A vantagem dessa teoria seria o de apontar critérios externos para a definição de quais seriam os comportamentos eticamente adequados, o que seria possível através da idéia de um observador imparcial, diferenciando-se assim do princípio da simpatia e da antipatia que, eivado de profunda subjetividade, baseia seus juízos de valores em critérios puramente internos.
Para o utilitarismo a ética se baseia em um ponto de vista universal, em que se posiciona terminantemente contra o relativismo, que afirma que a ética depende de sociedade para sociedade, e contra o subjetivismo, que condiciona o juízo ético ao seu emissor (em contraponto ao observador imparcial).

Crítica
Rawls, que se filia à linha contratualista, critica profundamente o utilitarismo, afirmando que ele peca por privilegiar a maximização dos benefícios, o que pode ser conveniente, mas não é justo que alguns tenham menos para que outros possam prosperar uma vez que cada pessoa possui uma inviolabilidade que nem o bem estar da sociedade com um todo pode ignorar.
Não é em Rawls, no entanto, que vamos encontrar os fundamentos para nossa crítica ao utilitarismo, uma vez que ele, da mesma forma que aqueles que defendem a teoria por ele criticada, também incide nas mesmas falhas que pretendemos apontar existirem no cerne da teoria utilitarista e que lhe inviabilizam completamente.
Primeiramente, a teoria utilitarista erra em sua crença em um raciocínio ético que possibilitaria que encontremos soluções para os problemas apresentados não subjetivamente, mas a partir de critérios externos de racionalidade.
Tal pensamento se enquadra na longa linha filosófica ocidental que, desde a Grécia antiga até seu apogeu no iluminismo, acredita na possibilidade de se alcançar a verdade através de um exercício racional. Essa linha filosófica substituiu Deus sem perceber que ao endeusar a razão como seu substituto não evoluíram efetivamente, mas apenas falsearam a realidade libertando-se de um mito e se prendendo a outro tão mais perigoso quanto mais imperceptível.
Em segundo lugar, alem da impossibilidade prática de um pensamento puramente racional que determine critérios para o enfrentamento dos problemas éticos, se é verdade que o pensamento ético nunca pode se dar no indivíduo, mas sempre pensando no relacionamento com outros seres, aí encontramos mais uma barreira a nosso ver intransponível, a da impossibilidade do verdadeiro reconhecimento, no sentido de que se nós não conseguimos sequer compreender o absurdo de nossa própria existência no-mundo, é mais inconcebível ainda que consigamos efetivamente compreender o outro, sem o que qualquer juízo ético, mais uma vez, padeceria de um profundo subjetivismo.
Finalmente, tal teoria falha ao pensar em valor como algo que pode ser apreendido imparcialmente e que pode ser justificado teleológicamente uma vez que se mostre adequado ao fim pretensamente universal. Aí erra novamente ao não perceber a profunda identidade que existe entre os conceitos de valor e de vontade uma vez que os valores adotados por uma sociedade não são nada alem disso.
Tal natureza dos valores nos é duplamente mascarada, primeiramente pela impressão de atemporalidade que se dá aos valores, os quais aparentam terem sempre existido e serem anteriores a própria humanidade e em segundo lugar pela relação dialética existente uma vez que a vontade que impõe o valor é limitada pelos valores existentes, ao mesmo tempo que os altera através de sua vontade, tudo isso ocorrendo por trás do véu da pretensa racionalidade.

Conclusão
Assim, concluímos, em suma, que o utilitarismo erra:
A) Como teoria ética:
Ao tentar propor um modo prático de se tomar decisões a partir do cálculo dos interesses afetados, cálculo esse que se mostra impossível de ser realizado na prática, uma vez que é duplamente impossibilitado, primeiro pela inexistência de um observador imparcial que possa fazê-lo, e em segundo lugar pela efetiva impossibilidade da valoração dos interesses.
Ao negligenciar a inviolabilidade de certos princípios que estariam no cerne da justiça, a qual é colocada em segundo plano em vista da maximização do bem e vista apenas em relação a este, denominando-se justo aquele ato que maximiza o bem, previamente determinado.
B) Filosoficamente:
Ao partir do pressuposto da existência de uma racionalidade humana cujo exercício pode nos levar a determinação do correto e do errado através de um exercício puramente imparcial.
Ao ignorar a impossibilidade de verdadeiro reconhecimento entre diferentes, uma vez que tal não é sequer possível entre iguais em vista do enorme sentimento de estranhamento diante do outro que permeia nossa existência.
Ao pensar nos valores que deveriam pautar o comportamento humano e nos fins determinados como objetivos que serviriam de critério teleológico para o julgamento dos meios, não como vontade, que é sua real natureza, mas como dados abstratos captáveis pela razão humana.

Original em: http://www.geocities.com/filosofiasf/thomaz02.htm

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