domingo, 1 de abril de 2007

Declaração de Veneza (Unesco 1986)

Cientistas, médicos, antropólogos, educadores, filósofos e escritores de 16 países reuniram-se em Veneza (Itália) de 03 a 07 de março de 1986 no 1º Fórum da UNESCO sobre Ciência e Cultura para responder a uma das mais importantes indagações deste final de século: que caminhos a humanidade deveria trilhar para evitar sua autodestruição e salvar o Planeta? Desse simpósio surgiu a "Declaração de Veneza", um dos mais importantes documentos da nossa história contemporânea que resume os desafios do nosso tempo. Entre os seis tópicos da "Declaração", os 19 signatários alertam para o abismo existente "entre uma nova visão do mundo que emerge do estudo de sistemas naturais e os valores que continuam a prevalecer em filosofia, nas ciências sociais e humanas e na vida da sociedade moderna, baseados num determinismo mecanicista".

Segundo os signatários, "a maneira convencional de ensinar ciência não permite que se perceba a separação entre a ciência moderna e as visões do mundo hoje superadas". Por isso, reforçam a complementariedade entre Ciência e Tradição, a necessidade da pesquisa autenticamente transdisciplinar e a busca de harmonia com as grandes tradições culturais. Foram signatários os representantes do Brasil, Guana, Suíça, Itália, França, Índia, México, Israel, Japão, Suécia, Paquistão, Nigéria, Canadá, Srilanca e Estados Unidos.

Declaração de Veneza (Unesco 1986)

1. Estamos testemunhando uma importante evolução no campo das ciências, resultante das reflexões sobre ciência básica (em particular pelos desenvolvimentos recentes em física e embriologia), pelas mudanças rápidas que elas ocasionaram na lógica, na epistemologia e na vida diária mediante suas aplicações tecnológicas. Contudo, notamos ao mesmo tempo um grande abismo entre uma nova visão do mundo que emerge do estudo de sistemas naturais e os valores que continuam a prevalecer em filosofia, nas ciências sociais e humanas e na vida da sociedade moderna, valores amplamente baseados num determinismo mecanicista, positivismo ou niilismo. Acreditamos que essa discrepância é danosa e, na verdade, perigosa para a sobrevivência de nossa espécie.

2. O conhecimento científico, no seu próprio ímpeto, atingiu o ponto em que ele pode começar um diálogo com outras formas de conhecimento. Nesse sentido, e mesmo admitindo as diferenças fundamentais entre Ciência e Tradição, reconhecemos ambas em complementaridade e não em contradição. Esse novo e enriquecedor intercâmbio entre ciência e as diferentes tradições do mundo abre as portas para uma nova visão da humanidade e, até, para um novo racionalismo, o que poderia induzir a uma nova perspectiva metafísica.

3. Mesmo não desejando tentar um enfoque global, nem estabelecer um sistema fechado de pensamento, nem inventar uma nova utopia, reconhecemos a necessidade premente de pesquisa autenticamente transdisciplinar mediante uma dinâmica de intercâmbio entre as ciências naturais, sociais, arte e tradição. Poderia ser dito que esse modo transdisciplinar é inerente ao nosso cérebro pela dinâmica de interação entre os seus dois hemisférios.Pesquisas conjuntas da natureza e da imaginação, do universo e do homem, poderiam conduzir-nos mais próximo à realidade e permitir-nos um melhor enfrentamento dos desafios do nosso tempo.

4. A maneira convencional de ensinar ciência mediante uma apresentação linear do conhecimento não permite que se perceba o divórcio entre a ciência moderna e visões do mundo que são hoje superadas. Enfatizamos a necessidade de novos métodos educacionais que tomem em consideração o progresso científico atual, que agora entra em harmonia com as grandes tradições culturais cuja preservação e estudo profundo são essenciais.A Unesco deve ser a organização apropriada para procurar essas idéias.

5. Os desafios de nosso tempo, o risco de destruição de nossa espécie, o impacto do processamento de dados, as implicações da genética, etc. jogam uma nova luz nas responsabilidades sociais da comunidade científica, tanto na iniciação quanto na aplicação de pesquisa. Embora os cientistas possam não ter controle sobre as aplicações das suas próprias descobertas, eles não poderão permanecer passivos quando se confrontando com os usos impensados daquilo que eles descobriram. É nosso ponto de vista que a magnitude dos desafios de hoje exige, por um lado, um fluxo de informações para o público que seja confiável e contínuo e, por outro lado, o estabelecimento de mecanismos multi- transdisciplinares para conduzirem e mesmo executarem os processos decisórios.

6. Esperamos que a UNESCO considere este encontro como um ponto de partida e encoraje mais reflexões do gênero num clima de transdisciplinaridade e universalidade.

Signatários: A.D. Akeampong (Ghana; físico-matemático); Ubiratan D'Ambrósio (Brasil; educador matemático); René Berger (Suíça, crítico de arte); Nicoló Dallaporta (Itália; físico); Jean Dausset (França; Prêmio Nobel de Medicina); Maitraye Devi (Índia; poetisa); Gilbert Durand (França; filósofo); Santiago Genovês (México; antropólogo); Akshai Margalit (Israel; filósofo); Yujiro Nakamura (Japão; filósofo); David Ottoson (Suécia; Presidente do Comitê Nobel de Filosofia); Abdus Salam (Paquistão; Prêmio Nobel de Física); L.K. Shayo (Nigéria; matemático); Ruppert Sheldrake (Inglaterra; bioquímica); Henry Stapp (USA; físico); David Suzuki (Canadá; geneticista); Susantha Goonatilake (Sri Lanka; antropologia cultural); Besarab Nicolescu (França; físico); Michel Random (França; escritor); Jacques Richardson (USA; escritor); Eiji Hattori (UNESCO; Chefe do Setor de Informações); V.T. Zharov (UNESCO; Diretor da Divisão de Ciências).

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seguidores

Visualizações nos últimos 30 dias

Visitas (clicks) desde o início do blog (31/3/2007) e; usuários Online:

Visitas (diárias) por locais do planeta, desde 13/5/2007:

Estatísticas